sexta-feira, 31 de maio de 2013

Sombras do Passado - Segunda Parte

   Com um forte sacolejo, o trem da Union Pacific parou em seu destino final, Bozeman. Al Fitzpatrick desceu do comboio e se dirigiu aos vagões dos animais. Estava cansado, mas satisfeito de estar finalmente no Montana depois de uma longa viagem. Dali em diante o percurso seria feito a cavalo até seu destino, Florence.
   Cerca de duas horas após seu desembarque, o xerife de Flagstaff já estava montado e a caminho de Florence. Pegou o recorte de jornal e conferiu a data do encontro: 25 de setembro no armazém de Thomas Elliot, perto de Florence, Montana. A viagem deveria levar uma semana, por isso ele estava um dia atrasado. Não faz mal, pensou, meu encontro é em Florence e não no armazém do velho Elliot. Ficou imaginando quantos deles estavam vivos e tinham visto o anúncio no jornal, como ele. No fim das contas, não importava muito. Saberia disso dali um semana, com um pouco de sorte.
   Avançar sozinho pela planície não era seguro e exigia suas precauções. Bem antes do anoitecer ele parou e usou seus binóculos para observar ao redor da imensa planície, onde não se via uma árvore. A medida que o sol ia se pondo, Fitzpatrick observava toda a extensão da planície ao seu redor em busca de algum sinal de acampamento ou fogueira. Algum sinal de vida. Após uma última conferida, guardou seus binóculos e começou a tirar a sela do cavalo. Teria que fazer uma fogueira por conta do vento frio do Montana, que vinha das Rochosas.
   À beira da fogueira, enrolado em seu cobertor, ele pensava em Florence. O vento frio o fazia recordar da cidade vinte e cinco anos atrás. Ele era apenas um garoto de nove anos e escutava sua mãe:
   - Ande depressa, Al. Não olhe pra cima.
   Eles estavam voltando para casa pela rua principal e o garoto olhava ao redor. Vários corpos estavam pendurados ao longo das traves do grande Montana Estábulo, enforcados. O vento frio balançava os corpos para frente e para trás, em pequenas oscilações que faziam as cordas rangerem. Mesmo no inverno rigoroso, a decomposição era avançavada e o mal cheiro se espalhava.
   Naquela época, Florence não era a cidade-fantasma que viria a se tornar. Era o tempo da corrida do ouro no Montana, e Florence era maior e mais rica do que Dodge City. Sempre existiram dois métodos para achar ouro. E o mais rápido deles não era arrebentar as costas escavando nas montanhas. Quem agia assim era vítima dos assaltantes e ficava com um punhado de moscas na mão. A mortalidade na planície era alta. Ainda não existiam as ferrovias e transportar cargas de ouro pelas montanhas, que já era dificílimo, ficou praticamente impossível. O vale do rio Cascavel nos Montes Cleveland, o Vale da Morte, o desfiladeiro do Cervo Preto; todos os comboios que partiam para Idaho e Utah tinham que passar por um desses três pontos. Os assaltantes eram bem informados e sempre havia alguém lá, esperando. Tentar sair do Montana com ouro significava dar de cara com eles.
   Um dia, os mineradores organizaram o transporte de ouro em um grande comboio de voluntários e a sorte mudou. A maioria dos bandidos foi morta na tentativa de assalto e uns poucos caíram vivos nas mãos dos voluntários. Com as informações extraídas, em pouco tempo se formou um comitê de vigilantes, liderados por um coronel aposentado da cidade, visto que o próprio xerife de Florence estava envolvido nos roubos. Uma caçada humana se iniciou na cidade. Várias pessoas suspeitas foram arrancadas de suas casas e enforcadas.
   Em um dos últimos enforcamentos coletivos, quando Florence já estava ficando vazia e sem vida, com os primeiros sinais da cidade-fantasma que viria a ser, o pai e o tio de Al Fitzpatrick foram baleados. Um grupo de bandidos adentrou o Montana Estábulo, atirando e berrando, e libertou dois homens. Partiram instantes depois, numa ação rápida. O pai de Fitzpatrick morreu no estábulo e seu tio foi atingido na espinha. Depois de uma semana lutando contra a febre, sobreviveu, mas ficou para sempre incapacitado numa cadeira de rodas.
   Em pouco tempo, a família se desfez dos últimos negócios e partiu de Florence para sempre. Poucos meses depois, a cidade ficou deserta.
   Enrolado em seu cobertor, o xerife pensava no passado de Florence. Quase de maneira inconsciente, ele enfiou a mão no bolso da camisa e retirou um recorte de jornal; o anúncio fúnebre que o colocara no caminho da vingança, depois de tantos anos:

   Todos os amigos e fiéis companheiros choram a
   partida prematura de 

                  RAYMOND CORBETT

   A quem se lembrar dele, jovem e INOCENTE, pede-se
   ir à sepultura do 

                 VELHO, QUERIDO RAY

   Levar um sinal de reconhecimento. Encontro no 
   armazém de Thomas Elliot, perto de Florence, 
   Montana, em 25 de setembro. 
    

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