quinta-feira, 3 de maio de 2012

Lost Lady Saloon

   - Ei, Roy, está sentindo esse cheiro?
   - Sim. É o cheiro desses bastardos que o governo teve pena e não deixou a gente mandar pro inferno.
   Diz-se que o General Sheridan é o autor da frase "índio bom é índio morto". No oeste ela virou um ditado famoso. Na verdade, quase uma lei. E em El Paso não era diferente. Naquela tarde de sábado, quando muitos cowboys e hombres iam para a cidade gastar o dinheiro de uma semana de trabalho, Philip Backffor e Manuelito só queriam tomar uma cerveja fresca no Lost Lady, um dos saloons de El Paso. Ou, talvez, um copo de mescal. Mas naquela tarde de sábado, com o calor eterno do Texas, Manuelito, um chiricahua que trabalhava no rancho do pai de Philip, só sairia daquele saloon para mijar nas calças, enquanto tentava, inutilmente, respirar.
   Roy Jackson, Tip Monroe e Frank Doony estavam sentados numa mesa ao canto. Ao ver o chiricahua entrar, Tip Monroe logo viu no apache a oportunidade de matar o tédio daquela tarde e, sem perder tempo, fez sua pergunta a Jackson. Roy era um rancheiro de El Paso e não gostava de índios. Muito menos de apaches. 
   Durante muitos anos, Roy Jackson lutou para expulsá-los de suas terras e repelir seus ataques. Perdeu bons homens nesse período. Homens de fibra, como se diz. Mas isso era passado. Agora, os índios eram só uns gatos pingados choramingando por um cobertor ou um prato de comida, confinados nas reservas do governo. Alguns achavam emprego nos ranchos, como Manuelito. Mas eram a exceção, não a regra. Na cabeça da maioria, dar emprego aos índios era loucura. Para muitos, uma afronta.
   Jackson, Monroe e Doony se entreolharam, levantaram da mesa e foram ao balcão.
   - Índios não são bem-vindos aqui, Backffor - disse Jackson. Ele tinha uma das mãos apoiada na sua Colt Dragoon.
   Philip o olhou, hesitou e então disse: - Sr. Jackson, não estamos importunando ninguém.
   - Estão, sim. - respondeu Doony - Esse focinho-vermelho cheira mal.
   Nas mesas do saloon, as conversas cessaram e as atenções se voltaram para o balcão. Philip Backffor olhou em volta em busca de apoio, mas a maioria dos homens presentes olhava hostilmente para Manuelito e os que não compartilhavam dessa hostilidade mantinham as cabeças baixas, alguns bebericando alguma coisa em  seus copos.
   - Escute. - disse Philip - Não queremos confusão. Temos tanto direito de estar aqui quanto vocês. Mas se esse é o problema... - disse Philip, olhando para o dono do saloon, De Spain, que estava atrás do balcão, sem encontrar apoio. - Se esse é o problema - repetiu. - podemos ir embora.
   - O índio não tem direito algum e não vai embora. Ele é nosso. - disse Roy Jackson.
   Com um movimento rápido, Tip Monroe segurou firme o braço de Manuelito. O apache tentou se desvencilhar, mas recebeu um direto no queixo e cambaleou no balcão. Backffor tentou sacar a pistola. Jackson estava pronto e bateu com o cano da sua Dragoon no pulso dele. Com uma coronhada violenta na cabeça, Backffor apagou.
   - De Spain, tem uma boa corda aí? - perguntou Jackson.
   De Spain o olhou por um instante.
   - Não quero tomar parte disso. - respondeu De Spain.
   - Deixe que eu pego na minha sela, Roy. - disse Doony.
   - É assim que se fala. - disse Jackson, ainda olhando para De Spain. - Botem o moleque Backffor pra fora.
   Doony botou Philip nos ombros, enquanto Monroe levava o chiricahua seguro pelo braço, com Roy Jackson logo atrás. - Quem quiser enforcar um focinho-vermelho é só vir com a gente, pessoal! - gritou Jackson.
   A maioria dos clientes se levantou e saiu para a rua principal de El Paso. Deixaram o Lost Lady Saloon para trás, assim como Philip Backffor, desmaiado na calçada. A excitação tomava conta do grupo a medida que avançavam pela rua principal. Outros iam se juntando, alguns esticando os pescoços para vêem melhor o apache. Muitas pessoas olhavam das janelas, seguindo o avanço da multidão com o olhar. Muitas mães botavam seus filhos para dentro de casa, alguns reclamando, zangados.
   - O xerife está fora, não está? - perguntou Monroe.
   - Está, mas não creio que ele seria problema.
   - Eu sei, mas nunca se sabe.
   - Onde vamos enforcá-lo, Roy? - peguntou Doony, que estava quase completando o nó.
   - No carvalho da saída leste. - respondeu Jackson.
   Chegaram ao lugar em poucos minutos. Durante todo o tempo Manuelito não disse nada. Se era para morrer, iria morrer como um apache, pensou ele. Nada de lágrimas ou palavras. Era quase impossível não se descontrolar naquela situação, mas não para ele. 
   - Tragam um cavalo. - disse Doony.
   - Pode usar o meu. - disse Jackson.
   Monroe hesitou e disse: - Dizem que dá azar.
   - Conversa. Podem trazê-lo aqui.
   O cavalo chegou e Doony começou a amarrar as mãos do apache: - Abram caminho, pessoal! - gritou Jackson. E olhando para um galho firme a não mais de cinco metros de altura: - Quem vai subir lá?
   - Eu cuido disso. - disse Monroe.
   A multidão abriu um corredor para o cavalo passar, enquanto Monroe preparava o laço da corda no galho. Deu três voltas e fez um laço firme. Assim a corda iria se retesar com o peso do índio.
   Colocaram o índio montado no cavalo de Jackson. Então Doony montou seu cavalo e ajeitou o nó no pescoço do apache. Deu meia volta, parou em frente ao índio e perguntou, em espanhol: - Se quiser dizer alguma coisa, diga agora. - O apache devolveu um olhar gelado e firme. Doony sorriu: - Muito bem, então. Como quiser.
   Doony começou a fazer a volta com o cavalo e colocá-lo ao lado do grande carvalho. O chiricahua olhava firme pra frente e não dizia nada.
   - Olha só pra cara do filho-da-puta. - alguém comentou.
   - Logo ele vai ver que essa cara feia não vai adiantar de nada.
   - Parece que quer nos desafiar.
   - Vai ter é que desafiar a gravata no pescoço dele. - Alguns riram, outros mantinham a expectativa em silêncio.
   Frank Doony desmontou e se dirigiu para trás do cavalo de Jackson. Olhou para Tip, depois para Roy. Ninguém disse nada, o que queria dizer que só dependia dele. Muito bem, então. Olhou para a multidão e  bateu nas ancas do cavalo com força.
   O apache foi para frente junto com o cavalo, depois voltou balançando para trás. Frank se desviou. O chiricahua se debatia inutilmente, a corda esticada balançando num movimento de vai-e-vem. Após alguns instantes, ao ver o apache se debatendo na corda, com o rosto arroxeado e as calças se molhando de urina, aqueles que se sentiam muito homens ao sair do sallon começaram a não se sentir mais tão homens assim. De repente, a maioria ali presente se sentiu pouco à vontade.
   - Não quero mais ver isso. - alguém disse.
   - Vamos embora.
   Em poucos instantes o chiricahua ficou imóvel, com as calçam molhadas e a urina pingando no chão. E tudo estava acabado.