domingo, 9 de novembro de 2014

Sombras do Passado - Parte Final

   Um quarteto de homens descia pela trilha de uma colina arborizada, seguidos por um homem a cavalo. O caminho levava diretamente para Florence, Montana. O xerife Al Fitzpatrick era o homem a cavalo, com a arma em punho, logo atrás de Raymond Corbett e seus três comparsas. Corbett e os outros três iam a pé.
   - O que espera fazer quando chegar lá? - perguntou Corbett.
   - Já disse: rever os velhos amigos.
  - Sei... E quando os velhos amigos nos receberem à bala? Vai continuar gracejando?
   Fitzpatrick não respondeu. O tempo todo Corbett estava tentando levar a conversa para aquele assunto, na esperança de ganhar tempo.
  - Você não tem ideia dos homens que estão lá! Na primeira saraivada a gente vai virar mingau!
   - Conversa. Primeiro eles vão querer saber quem é o homem que está levando o velho xerife Corbett numa bandeja de prata pra eles - disse Fitzpatrick. - Aposto como nesse momento eles já sabem que estamos indo pra lá - acrescentou, olhando nas colinas ao redor.
   Agora eles já estavam no final da descida, e o trecho que se estendia pela frente era uma planície levemente ondulada. Não faltava muito agora para chegarem na cidade.
   - E você pretende enfrentar todos eles sozinho? - perguntou Corbett, em tom de desdém.
    - Não me tome por principiante, Corbett. Já mandei pro inferno atiradores como Lefty Sam e Jack Strobel.
   Raymond Corbett absorveu aquela informação. Pensou em perguntar algo outra vez, mas hesitou e não disse mais nada. Fitzpatrick achou melhor assim.
   Os quatro foram caminhando pela velha estrada que levava para Florence, com o xerife Fitzpatrick sempre atrás, montado em seu mustang. Ele se lembrava bem do lugar dos seus tempos de infância. Um leve sentimento de nostalgia chegou até ele ao passar por aquelas paragens. Logo tratou de afastar esse sentimento da mente. Estavam se aproximando da cidade e ele sabia que tinha que estar com o pensamento calmo e os nervos no lugar.
   Em poucos minutos a silhueta das primeiras construções de Florence foi surgindo. Era perto de meio-dia e tudo estava calmo. O grupo avançava devagar. Fitzpatrick seguia o leve balançar do cavalo, de olho nas construções que iam aparecendo. Em poucos minutos eles estavam entrando pela rua principal. Ou o que se parecia com uma.

   - Parem - ordenou Fitzpatrick. Ao que o quarteto obedeceu.
   Florence era agora uma cidade-fantasma. Ou o que tinha restado de uma cidade-fantasma. O único alpendre de pé era o do velho armazém de Billy Grimes. O Montana Estábulo estava irreconhecível, quase completamente desabado. Todas as construções estavam com pelo menos metade do teto ruído, menos uma. Ao final da rua principal, consumido pelas intempéries do tempo, mas com o teto ainda de pé, de frente para eles, se erguia um prédio de dois andares, largo e que se destacava facilmente dos demais. Logo acima do seu telhado havia uma grande placa com a inscrição GOLDEN NORTH SALOON.
   Era lá que a atenção de Fitzpatrick estava agora. Um grupo de seis homens estava em frente ao saloon. Um instante atrás não havia ninguém na frente do prédio e um instante depois eles estavam lá, um deles com um rifle na mão, apoiado no ombro. Os dois grupos se encararam por um tempo, cada um em uma extremidade da rua. E então começou a ventar.
   Com uma ordem, Fitzpatrick fez o quarteto avançar. O vento passava pela rua levantando uma leve nuvem de poeira e fazia os pregos de cada madeira de pé gemer e estalar. Os seis homens observavam a aproximação do cavaleiro e dos homens que caminhavam logo na frente. Quando a distância encurtou para dez metros, Fitzpatrick mandou Corbett e os outros pararem.
   - Xerife Corbett, eu suponho? - disse o homem com o rifle apoiado no ombro, olhando para Raymond Corbett. Era corpulento, tinha a cara larga e uma barba rala, por fazer. Devia ter seus cinquenta anos. Estava claro que aquela pergunta era uma zombaria. O homem sorria e era nítido que ele sabia muito bem com quem estava falando.
   - Boone, o canibal - respondeu Corbett. - Não te aceitaram no inferno?
   - Tentaram me mandar pra lá, mas o diabo não quis - respondeu Boone, apontando para uma queimadura de corda no pescoço. - Me ajudou a não esquecer você, Ray - acrescentou, alisando a marca.
   - Salve, xerife! - disse um homem ao lado de Boone. Usava um chapéu de copa chata, aba larga e por debaixo dele saía uma cabeleira loura que ia até os ombros - Parece que a idade chegou pra você - disse, indicando Fitzpatrick com um aceno de cabeça. Ele sorria.
   Corbett se virou para olhar um instante para Fitzpatrick, depois tornou a olhar para o homem louro: - Não o tome por novato, Waco. Pode se arrepender.
   - Me tire uma curiosidade, xerife - disse um homem que usava uma cartola e tinha os polegares enfiados dentro dos bolsos do colete cinza que usava por cima da blusa. Tinha a aparência de um jogador profissional e ao menos numa primeira olhada não estava armado. - Por que voltou para Florence depois de tanto tempo?
   - Porque estou duro - respondeu Corbett, com simplicidade. - Voltei pra pegar o resto do ouro que está guardado na mina. Eu explodi a galeria entes de me mandar, há vinte e cinco anos. Estamos cavando há mais de um mês.
   - Sim, nós sabemos - disse Boone. - Estamos por aqui há quase uma semana, esperando você pegar o nosso ouro.
   - Como vocês souberam da minha volta?
   - Mandei o nosso Cliff aqui ficar sempre de olho nos arredores e me avisar de qualquer movimento nas minas - disse Boone, apontando para o sujeito que estava à sua esquerda. Um homem de cabelos escuros e bigode vasto. Era um pouco mais alto que Boone.
   - E então ele chegou com a grande notícia - continuou Boone, sorrindo. - Eu não achava mais que você voltaria depois de tanto tempo, Ray. Mandei publicar o anúncio fúnebre em alguns jornais e os que estão aqui foram aqueles que leram o anúncio.
   Fez-se silêncio. Corbett parecia pensar em tudo que acabara de ouvir. Fitzpatrick notou que as atenções agora se voltavam para ele.

   - Parece que o rapaz é tímido - disse o homem de cartola com pinta de jogador. Ele se dirigia a Boone, mas tinha os olhos em Fitzpatrick.
   Boone sorriu.
   - Não quer se apresentar, rapaz? - disse, com os olhos em Fitzpatrick - Afinal, você nos trouxe o nosso velho amigo Ray.
   Os outros riram. Fitzpatrick não respondeu de imediato. Apeou do cavalo e guardou seu revólver no coldre. Ficou ao lado de Corbett e seus comparsas, um pouco atrás.
   - Sou o filho de Ryan Fitzpatrick. Também li o anúncio no jornal.
   Houve um instante de silêncio. Então um homem magro e de cabelos grisalhos falou:
   - Não acha que está muito jovem para participar desse acerto de contas, rapaz?
   Fitzpatrick reconheceu o homem. Era Billy Grimes, o antigo dono do armazém de Florence.
   - Não, Grimes. Também tenho algumas contas para acertar.
   Um leve tom de surpresa apareceu no rosto de Grimes ao ouvir seu nome ser pronunciado. Ele olhou para Boone: - Sabe que o nosso amigo tem peito, canibal?
   - Eu já disse para não subestimá-lo - relembrou Corbett, antes que Boone pudesse dizer algo. - Ele já liquidou homens como Lefty Sam e Jack Strobel - completou.
   Ao ouvir isso Grimes assobiou baixinho. Boone se empertigou.
   - É verdade isso, rapaz?
   Fitzpatrick assentiu, sem nada dizer.
   - Então é uma pena que não haja espectadores - disse Boone. - O encontro entre Waco Dolan, Roger Laval, Billy Grimes, Freddie Dobbs, Cliff Durham, Boone, o canibal e o homem que matou Lefty Sam e Jack Strobel... Todos lendas do Oeste - ele fez um gesto abarcando todos os presentes. Fitzpatrick percebeu que ele não sitou o nome de Corbett.
   As palavras de Boone ressoaram e foram levadas pelo vento. Silêncio outra vez.
   - Quem são esses três, Ray? - perguntou Grimes, quebrando o silêncio e apontando para os três comparsas de Corbett.
   - Eu os encontrei em Bozeman e os trouxe para me ajudar a cavar na mina.
   - Eles sabem cavar sepulturas também?
   - Sim, sabem - disse Corbett, sorrindo pela primeira vez. - Eles podem cavar uma pra você, se quiser.
   Os outros riram. Inclusive Grimes, que acrescentou: - Não podem esquecer de levar as flores.
  Mais risadas. O xerife Fitzpatrick conhecia aquele tipo de conversa. Primeiro chegam sorrisos, depois mentiras. Por último, o tiroteio.
   - Ainda falta cavar muito para chegar ao ouro, Ray? - perguntou Waco Dolan, o louro.
   - Não muito agora. Acho que mais dois dias bastam.
   - Ótimo. Essa cidade-fantasma já estava me entediando.
   - Talvez tenha que passar a eternidade aqui, Waco.
   - Talvez tenha.
   A atmosfera mudou e ficou repentinamente tensa. Todos os seis homens tinham agora os olhos em Corbett e Fitzpatrick. Só o vento fazia algum ruído. A qualquer momento, agora, pensou Fitzpatrick. Durante quase um minuto ninguém falou, até que uma rajada mais forte de vento soprou, levantando a poeira da frente do saloon. Boone baixou seu rifle do ombro em um movimento muito rápido, ao mesmo tempo em que Waco e os outros sacavam suas armas. Fitzpatrick sacou sua arma ao mesmo tempo em que corria em direção a casa à sua direita, atirando para o lado em direção a Billy Grimes. Viu de relance o xerife Corbett pegar um dos seus comparsas pelo pescoço, usando-o como escudo. Uma série de disparos ecoaram acima do som do vento. Fitzpatrick viu um dos seus tiros acertar Grimes na altura do estômago, enquanto dois dos comparsas de Corbett parados no meio da rua foram atingidos várias vezes e caíram gritando. O terceiro, que Corbett usava de escudo, também foi atingido e gritava enquanto era arrastado em direção a uma casa do outro lado da rua. O cavalo relinchou alto, Fitzpatrick disparou mais três vezes antes de desaparecer dentro da casa à sua direita e sua última visão foi de Corbett largando o comparsa-escudo na rua e correndo para a casa do outro lado, enquanto Grimes caía no chão se dobrando com as mãos na barriga.

   Os disparos pararam por um instante e só se ouvia agora o relincho do animal. Fitzpatrick olhou para fora e viu seu cavalo caído no meio da rua, tentando se levantar com as patas dianteiras, a parte traseira do corpo imóvel enquanto ele relinchava alto. Havia sangue no chão ao redor. No momento seguinte os disparos recomeçaram e atingiram pontos ao redor de Fitzpatrick, a madeira se despedaçando e levantando uma nuvem de pó e estilhaços. Ele se levantou e correu para os fundos da casa em ruínas.
   Enquanto recarregava, ele olhou rápido para o lado de fora dos fundos da casa. Ouvia mais disparos e vozes que gritavam, mas não conseguia entender o que diziam pois tudo era abafado pelo relincho desesperado do cavalo. Ele avançou pelo o que antigamente era a rua paralela à rua principal, agora um amontoado de madeira podre e mato. Mal deu cinco passos e viu surgirem mais a frente as figuras de Waco Dolan e Cliff Durham. Eles o viram e atiraram, mas Fitzpatrick já havia se refugiado atrás de uma cerca de traves atravessadas.
 Os disparos continuaram, resvalando perto de onde Fitzpatrick se encontrava. De barriga no chão, ele se arrastou uns cinco metros para o lado e se levantou de arma em punho olhando na direção de onde vinham os disparos. Com dois tiros liquidou Dolan, o louro. Cliff Durham atirou em sua direção, berrando: - MORRA, BASTARDO!
   Seus tiros erraram o alvo e Fitzpatrick o matou com um tiro no peito. Durham caiu próximo a Waco Dolan, o sangue manchando a terra.
   Fitzpatrick continuou em meio ao mato e aos restos de madeira até estar encostado nos fundos da última casa antes do saloon. O cavalo não relinchava mais e tudo era silêncio. Fitzpatrick ficou parado, aguardando, só o vento se fazendo ouvir. Ora mais forte, ora mais calmo. Os minutos se passaram até que um tiro de rifle ecoou do outro lado da rua. Silêncio. Depois mais dois tiros de rifle e um tiro de revólver. E silêncio outra vez. Com cautela Fitzpatrick saiu de trás da casa e se aproximou do saloon pelo lado esquerdo. Debaixo do alpendre ele viu o corpo de Billy Grimes dobrado na posição em que o vira cair, no começo do tiroteio. Olhando ao redor e com os nervos retesados, ele avançou até perto do corpo de Grimes e se protegeu atrás de uma das traves do alpendre. Não se via ninguém. Que teria acontecido? Quem estava com o rifle era Boone, o canibal. Teria ele matado Corbett?
   Fitzpatrick continuou atento, observando. Era difícil ouvir algo que não fosse um disparo, pois o som do vento abafava tudo o mais. Por isso ele olhava freneticamente o entorno. Seu cavalo estava deitado no chão, em silêncio, o ventre subindo e descendo em movimentos rápidos. Fitzpatrick sabia que o animal estava nas últimas.

   Passados alguns instantes, sua atenção se deteve numa das casas perto do cavalo, do lado onde Corbett tinha desaparecido no começo do tiroteio. Vira um movimento e depois de alguns segundos observando teve certeza de que havia alguém lá, provavelmente também olhando o entorno antes de se mover. Então o homem saiu para a rua principal, com cautela. Era Corbett. Empunhava o rifle de Boone. Ele começou a avançar em direção ao saloon, sempre olhando ao redor.
   Corbett parou perto do cavalo, olhando para o saloon. Fitzpatrick vinha avançando calmamente, o revolver em punho na mão direita apontado para o chão. Corbett esperou. O jovem avançou devagar, os dois sempre se olhando, até ficar a vinte passos dele. Então parou. Perto de Corbett, o ventre do cavalo não se movia mais.
   - Existe um ditado no Oeste - disse Corbett, elevando a voz para se fazer ouvir acima do vento - que diz que quando o homem com o rifle encontra o homem com o revólver, o homem com o revólver já está morto.
   Fitzpatrick o encarou. Então disse, também elevando a voz: - Pois o meu ditado diz que é preciso saber quem é o homem que empunha o revólver.
   Houve um momento de silêncio em que os dois se encararam. O vento jogava a poeira cada vez mais para o alto e então eles atiraram, apertando o gatilho quase ao mesmo tempo. O som dos disparos estavam quase desaparecendo quando Corbett caiu de joelhos, o rifle ainda em punho. Então ele rolou para o lado e ficou estendido de barriga para o alto.
   Fitzpatrick se aproximou e parou ao lado de Corbett a tempo de vê-lo olhando para o céu ainda com vida, até que seus olhos ficaram opacos e imóveis.
   Ele olhou ao redor e não havia mais sinal de vida. Agora tudo estava acabado. Todos mortos, seu pai e seu tio vingados, tudo acabado. Foi até seu cavalo, também morto, e pegou os alforjes e a sela. Sabia que eu algum lugar nos arredores encontraria os cavalos dos seis homens que haviam acabado de morrer.
   Fitzpatrick pensava em como seriam as noites de sono dali para frente. Iria direto para o rancho do tio contar o ocorrido. Talvez ele também dormisse melhor a partir de agora. Só isso já faria tudo ter valido a pena.

   Com esses pensamentos ele deixou Florence. Desta vez para sempre.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Sombras do Passado - Quarta Parte

   Al Fitzpatrick despertou de um sonho muito vívido. Aquele despertar repentino em que se abre os olhos completamente com um único movimento. Como sempre acontece nesses casos, ele demorou a sair do sonho mesmo com os olhos já abertos; a realidade ao seu redor ia se fazendo presente os poucos. Até que ele olhou à sua volta: estava no pequeno bosque em que acampara na noite anterior, a fogueira agora não mais que um pequeno monte de cinzas. Uma leve aurora começava a iluminar o céu anunciando o amanhecer.
   Se desvencilhando do cobertor, ele se sentou e por um instante ficou olhando para os restos da fogueira. No sonho que acabara de ter ele estava em um grande barco, em meio a um mar calmo, enorme. Havia um lampião no mastro bem acima dele que iluminava o convés e os arredores do grande barco. E todo o resto era escuridão. Mas como em todo sonho, mesmo sem poder ver para além da área iluminada, de algum modo ele sabia que estava navegando num mar sem fim. O que mais o impressionava era a velocidade terrível com que o grande barco viajava e o fato de isso não provocar quase nenhuma onda ao redor. No sonho ele tinha plena consciência da sua solidão. E então acordou.
   Pensou mais alguns instantes sobre o que acabara de sonhar, tentando pôr algum significado naquilo. Depois se levantou. Juntou alguns gravetos sobre as cinzas que tinham restado da fogueira para fazer fogo outra vez. Fazia uma semana agora que tinha deixado Bozeman para trás. Sabia que estava muito perto do seu destino. Florence, Montana. Esperava chegar no armazém de Thomas Elliot perto do meio-dia. O armazém era o local de encontro publicado no jornal. Fitzpatrick tinha certeza que a essa altura o encontro já tinha acontecido. Estava marcado para o dia 25 de setembro e esse era o amanhecer do dia 27.
   Depois de beber um pouco de café ele partiu. Saindo do pequeno bosque em que passara a noite adentrou pela imensa planície e seguiu em direção aos Montes Cleveland. Eles estavam agora bem delineados na linha do horizonte, quebrando a paisagem monótona que havia reinado até um dia antes: céu em todas as direções. 
   Fitzpatrick parava de meia em meio hora para olhar a imensa planície ao seu redor, utilizando seus binóculos. A cada vez que fez isso não encontrou nada de anormal. Melhor assim, pensou. O dia estava nublado como todos os outros antes desse e por volta do meio-dia ele começou a procurar por uma árvore. Desde que deixara o bosque para trás, pela manhã, ele não avistara nenhuma árvore. Mas agora ele sabia que estava perto de avistar uma. O armazém de Thomas Elliot ficava a duas horas de cavalo de Florence, no meio da planície e sempre fora conhecido por ter ao seu lado um grande carvalho. A única árvore num raio de 20 quilômetros. Logo avistou com seus binóculos um contorno na relva que, tinha certeza, era o grande carvalho que procurava. Estava bem na sua frente, quase na linha do horizonte.
   Uma hora depois Fitzpatrick podia avistar a árvore a olho nu, ao longe. Parou numa parte um pouco mais alta da planície, a duas milhas de distância do armazém. Apeou do cavalo e fez o animal se deitar. Pegou os binóculos e se agachou. A relva alta os protegia de algum xereta que pudesse estar por perto. Apontou os binóculos e viu com clareza a grande árvore e a antiga construção que não via há vinte e cinco anos.
   Naquele tempo o armazém de Thomas Elliot era uma etapa obrigatória para quem vinha das montanhas à planície. O velho Elliot era a cortesia em pessoa. Dezenas de testemunhas estavam prontas pra jurar sua honestidade. É de se imaginar a ira geral quando se soube que ele fazia parte do bando de assaltantes que aterrorizavam os mineradores. Elliot era um precioso informante do bando. Foi surpreendido pelos vigilantes quando arrumava suas coisas para escapar e enforcado no grande carvalho junto ao seu posto comercial. Fitzpatrick ficou pensando na última visão de Elliot: pendurado com a corda no pescoço, olhando para o barracão que tinha sido o seu ganha-pão por tanto tempo. Provavelmente morreu olhando para a placa que Fitzpatrick via perfeitamente agora, com a ajuda dos binóculos: THOMAS ELLIOT'S TRADING POST.
   Passou a tarde inteira observando o armazém e não viu nenhum sinal de vida. Tinha quase certeza que estava deserto mesmo. Não tinha cara de armadilha. Já estava quase escurecendo e ele decidiu ir até lá. Montou seu cavalo e se aproximou devagar. Passou ao lado do grande carvalho examinando o terreno. Perto da trave para os cavalos ele encontrou rastros recentes de cavalos ferrados. Pelo menos cinco. Apeou do cavalo e, de arma em punho, entrou decidido no armazém. Vazio.
   Mas com muitos sinais de habitação recente. Fitzpatrick foi andando pelo local. Havia algumas mesas velhas ainda de pé e somente uma cadeira. O balcão do bar ainda estava bem sólido e sobre ele havia duas garrafas vazias que não estavam empoeiradas como todo o resto. Além disso, havia algumas pontas de cigarro fumados recentemente. Vou passar a noite aqui e quando amanhecer irei a Florence. Não creio que haja algum atrasado que possa chegar no meio da noite.Em todo caso, estou dormindo com um olho só há uma semana.
   Foi uma noite sem sonhos e na manhã seguinte ele partiu. Estava ventando frio e ele não teve dificuldades em seguir os rastros dos cavalos. Em menos de duas horas chegou ao velho caminho que ia até Florence através de um pequeno grupo de colinas arborizadas. Em certa altura o caminho se dividia e Fitzpatrick apeou para examinar melhor o terreno. Os rastros dos cavalos continuavam pelo caminho que descia pelas colinas e que, ele sabia, terminava em Florence. Mas o caminho que ia dar nas minas nos arredores da região também parecia frequentado. Acho que estou entendendo o que se passa aqui, ele pensou. Montou e tocou o cavalo pelo caminho das minas.
   Não demorou muito até ele perceber que se aproximava de uma mina. Deixou o cavalo escondido nas árvores e se aproximou do local a pé. Chegou a um ponto onde as árvores terminavam e a subida continuava pela encosta, com o caminho levando para um barracão velho não muito longe da entrada da mina, bem característica com traves delineando a boca do túnel. Dava para ouvir nitidamente o som abafado de batidas de vinham lá de dento. A mina fora reaberta. Ao lado do barracão ele contou quatro cavalos. Fitzpatrick se deitou ao lado de uma das árvores e começou a procurar pela sentinela. Tinha certeza que devia haver um homem montando guarda.
   Não demorou para avistar o homem sentado numa pedra numa parte mais alta da encosta. Em vinte minutos, dando a volta pelas arvores, ele chegou por trás da sentinela. Se aproximou bem devagar e mesmo de costas percebeu que era um garoto de uns vinte anos. Sacou o revólver e encostou o cano da nuca dele:
   - Não se mova - ordenou Fitzpatrick. No susto, o garoto deixou cair o cigarro que fumava.
   - N-não ouvi você chegar - disse o garoto.
   Fitzpatrick desarmou-o e o conduziu pelo bosque, em direção a mina. 
   - Vamos pra mina - disse Fitzpatrick. - Não tente nada, garoto. Eu não estou brincando.
   Os dois foram andando pelas árvores até chegarem na grande clareira que circundava a mina. Caminhando em passo firme, Fitzpatrick conduziu o garoto até perto da entrada da mina. Mandou que ele parasse e perguntou:
   - Raymond Corbett está aí dentro, não está?
   - Sim, está. Como sabe?
   - Você vai chamá-lo. Faça ele sair sem levantar suspeitas.
   - Está bem - disse o garoto. E levantando a voz: - Ei, Ray! Precisa vir aqui fora dar uma olhada nisso!
   As batidas cessaram. Em pouco mais de um minuto o som de passos e vozes se tornou bem próximo. Fitzpatrick andou alguns passos para o lado, saindo de trás do garoto. Este ficou parado sem saber o que fazer. Em instantes, um homem com seus cinquenta anos e cabelos grisalhos saiu da mina. Outros dois vinham logo atrás.
   - Qual o probl... - ele começou a perguntar quando seus olhos foram do garoto para o homem três passos ao lado, apontando um revólver diretamente para ele.
   - Não se mova, Corbett. Solte o cinturão.
   Fitzpatrick reconheceu Raymond Corbett na mesma hora. Apesar de ser uma lembrança antiga, ele se lembrava muito bem do rosto do antigo xerife de Florence. Não tinha mudado muita coisa. Os outros dois não estavam armados.
   - Quem é você? - perguntou Corbett, desafivelando o cinturão e deixando-o cair.
   - Sou o filho de Ryan Fitzpatrick.
   Corbett ficou encarando Fitzpatrick, como que absorvendo aquela informação. Por fim, disse:
   - Ora vejam... E como me achou?
   - Vim por causa do seu enterro, Corbett - disse Fitzpatrick, tirando do bolso o recorte de jornal e entregando-o ao garoto, ao mesmo tempo em que sinalizava pra ele entregar o papel para Corbett.
   O velho xerife pegou o jornal e o leu. Uma expressão de surpresa tomou conta de seu rosto. Ele levantou os olhos do papel:
   - Quer dizer que... eles estão aqui?
   - Não encontrei nenhum deles, mas tenho certeza que estão em Florence.
   - Quantos são?
   - Uns cinco ou seis - disse Fitzpatrick. E acrescentou: - Mas vamos descobrir isso logo.
   Corbett o encarou demoradamente.
   - O que tem em mente?
   - Nós quatro - disse Fitzpatrick, indicando com a cabeça os dois homens que permaneciam imóveis e de mãos para o alto atrás de Corbett - vamos até Florence rever nossos velhos conhecidos.