quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Planícies

   Alguns meses já haviam se passado desde o dia em que Andrew Stafford saíra de Austin, Texas, para caçar três homens culpados por homicídio e roubo. Ele não estava sozinho; ia na companhia de Thomas Affeldt. Eles não sabiam se iam trazer os bandidos vivos. Provavelmente não. Na cabeça deles, gente como aquela era para ser caçada e morta. 
   Ambos eram rangers do Texas. Estavam na pista dos homens que haviam matado outro ranger durante o assalto a um banco em Oklahoma City. Já haviam passado por quatro estados, numa caçada que já estava se tornando longa demais. Agora estavam numa imensa planície. Era um fim de tarde de setembro e o frio entrava nos ossos. Há uma hora a planície havia mudado. Não era mais uma imensa extensão plana de prado e relva. A planície agora ondulava em pequenos montes e algumas colinas mais altas, embora a vegetação não mudasse nunca. Eram as Rolling Plains, na divisa do Montana com o Wyoming. O vento do Montana vinha das Rochosas e passava cortante pelos cavaleiros.
   - Aqui escurece cedo... Vamos parar ou avançar um pouco mais?
   - Acho melhor pararmos. Esse frio está piorando rápido.
   Stafford desmontou e começou a tirar a sela de seu cavalo. Affeldt fazia o mesmo. Durante a viagem os dois não costumavam falar muito; deixavam isso para a noite, ao redor da fogueira. Nas últimas duas semanas o tempo havia esfriado bastante e a pista dos três homens também. Isso não melhorava as coisas, mas desistir estava fora de cogitação. Pistas longas são assim: esquentam e esfriam, principalmente em territórios pouco habitados como aqueles. 
   Depois que comeram, Affeldt pegou um charuto e acendeu-o. Gostava de deixar o charuto queimar devagar enquanto o jogava pelos cantos da boca, sentindo o gosto do fumo. Observava Stafford relaxado ao lado do fogo, a cabeça apoiada na sela, pensativo. Affeldt vinha reparando em Stafford todas as noites e quase sempre via a mesma coisa: apesar da postura relaxada, sua expressão era de rancor. Stafford com certeza não faria questão de pegar os três homens vivos e Affeldt concordava com ele. Devo estar com a mesma raiva no rosto, mas não vejo porque não tenho um espelho comigo, pensou ele.
   - Ainda deve faltar uns quatro dias até Bozeman - disse Stafford.
   - Se tudo correr bem - respondeu Affeldt. - Lá vamos achar pistas mais frescas.
   - Não importa se não encontrarmos. Não vou largar dos pés deles.
   - Se não tivermos pistas frescas deles em Bozeman pode ficar difícil.
   - Pode mesmo - disse Stafford, pensativo. - Aqueles bastardos teriam todo o território do Noroeste pra se esconder.
   Affeldt ficou matutando aquela hipótese. Bozeman poderia ser o começo da última parte de uma busca já bem longa. Ou poderia ser apenas mais uma etapa da caçada. No fundo, isso não importava nem pra ele, nem pra Stafford. Os dois estavam em busca dos assassinos de um amigo, não de mais um ranger que desconheciam.
   - Já mandou quantos pra forca, Thomas? - perguntou Stafford.
   Affeldt se surpreendeu com a pergunta.
   - O juiz é quem manda, não eu.
   - Você entendeu.
   - Não sei... Nunca contei esse tipo de coisa. Você conta?
   - Não, não conto. Apenas pensei nisso agora.
   Stafford estava pensando na captura dos três homens. Não iam capturá-los para serem enforcados, claro. A coisa ia terminar de um jeito mais prático. Do jeito certo, ele pensou. Mas se pegou perguntando quantos homens, afinal, já havia ajudado a mandar pra forca. Não sabia a resposta.
   - Bom, eu acho que uns trinta - continuou Affeldt. - Talvez um pouco menos.
   - A conta parece razoável - disse Stafford, lentamente. - Já se arrependeu de algum?
   Affeldt olhou para o ranger do outro lado da fogueira e franziu o cenho: - Arrepender? Claro que não. Rangers fazem isso, não? 
   - Sim, fazemos. Não quis dizer bem arrepender... - Stafford pensou um instante, procurando a palavra certa. - Quis dizer um caso em que você acaba se sentindo estranho. Ou um pouco deslocado - Ele pensou mais um pouco. - Não sei explicar direito.
   Affeldt aspirou um pouco de seu charuto: - Já mandou a pessoa errada pra forca, Andrew?
   Stafford não respondeu de pronto. Continuou olhando pro céu e seu rosto se livrou um pouco da raiva que o acompanhava há meses. Ele se virou um pouco, apoiando-se num dos braços.
   - Já tive que mandar um menino pra forca.
   - Um menino?!
   - Não, não uma criança. Era um frangote de uns quinze ou dezesseis anos. Talvez dezessete...
   - O que ele fez?
   - Ele tinha matado uma garota de quatorze anos.
   Affeldt nada disse. Continuou olhando para Stafford.
   - Na época, as pessoas disseram que foi um crime passional. Falavam sobre paixão e desprezo, esse tipo de coisa. O garoto disse que não. Disse que fizera a coisa certa e que não lamentava nada. Não sei o que ele entendia por certo ou errado, mas isso não importava. E nem me importava o motivo daquilo tudo -Stafford olhou para a fogueira um instante. - Pareceu que, de repente, a cidade tinha muito mais gente que de costume. Os jornais, as pessoas... só se falava daquilo.
   Affeldt aspirou mais um pouco do seu charuto.
   - Onde foi isso?
   - Lá pelas bandas de Colorado Springs.
   - Foi há muito tempo?
   - Uns dez anos atrás.   
   - Você viu o enforcamento?
   - Vi.
   Stafford ficou em silêncio por um tempo, pensando. Affeldt estava impressionado com aquilo, embora soubesse que coisas como essa acontecem com uma certa freqüência. Pensou na mãe da tal garota e de como ela se sentiu ao ver o menino no patíbulo. Deve ter pensado na justiça sendo feita, mas, com os diabos!, era apenas um menino!, pensou Affeldt.
   - Quando o garoto foi enforcado, eu me senti estranho - disse Stafford. - Sabia que fizera meu trabalho, que fizera a coisa certa. Mas, por outro lado, me senti deslocado. Era como se a lei aplicada naquele frangote não fizesse sentido, mesmo eu sabendo que era o certo. Entende o que eu quero dizer?
   Affeldt fez que sim com a cabeça: - Parece que o mundo não faz sentido quando um garoto é colocado na frente de um juiz.
   - É... muito menos no patíbulo, com uma gravata de corda.
   Stafford voltou a se deitar com a cabeça apoiada na sela, pensando. Ele e Affeldt estavam caçando três homens com o desejo de realizar uma vingança. Não sabia o que iam encontrar no final daquilo tudo, só sabia que tinha que ser feito. 
   - Vamos ter a oportunidade de vingar nosso amigo - disse Stafford.
   - Nem todo mundo tem.
   - Nem todo mundo tem... - repetiu Stafford.
   - Às vezes, fico pensando nisso. 
   - Nisso o quê?
   - Nosso amigo morreu com uma bala nas costas. Não teve chance de se defender.
   Stafford demorou a responder. Por fim, disse: - Ao menos ele teve outras chances antes disso. Fico pensando naquelas pessoas que passam a vida limpando o chão de um saloon, ou lavando pratos... Quando elas levam uma bala nas costas, o último pensamento delas deve ser: "Eu nunca tive minha chance".
   Affeldt suspirou: - Não vejo a hora de acabar logo com isso.
   - Eu procuro não pensar nas coisas desse jeito. Estamos indo fazer a coisa certa, Thomas. Somos rangers, mas porque andar acompanhado da lei em casos como esse? Aqueles bastardos nunca respeitaram lei alguma. Vão querer se proteger atrás dela logo agora?
   - Concordo com você, Andrew, mas nós não estamos indo recuperar o tempo que tiraram do nosso amigo.
   - Sei que não - respondeu Stafford, desgostoso. - Não dá pra recuperar o tempo que alguém tira de você. Ele fica sempre do lado de fora da porta.
   - Às vezes me pergunto onde uma vingança pode nos levar - disse Affeldt. - Tenho a impressão que é mais uma daquelas coisas da vida em que se cria uma expectativa enorme e, depois, a gente vê que não representa grande coisa.
   - Espero que não.
   - Eu também.
   Affeldt terminou seu charuto, jogou o que restara dele na fogueira e se deitou, apoiando a cabeça na sela. Puxou o cobertor pra junto do corpo, tentando se proteger melhor do frio. Depois, enquanto Stafford alimentava a fogueira, pensou na história do garoto. Mais um que não teve sua chance, pensou. Pensando bem, ele teve, se é que se pode colocar a coisa dessa maneira. Sabia que Stafford fizera a coisa certa, mas não conseguia se ver no lugar do amigo. 
   Na manhã seguinte, partiram para Bozeman. 

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Lost Lady Saloon

   - Ei, Roy, está sentindo esse cheiro?
   - Sim. É o cheiro desses bastardos que o governo teve pena e não deixou a gente mandar pro inferno.
   Diz-se que o General Sheridan é o autor da frase "índio bom é índio morto". No oeste ela virou um ditado famoso. Na verdade, quase uma lei. E em El Paso não era diferente. Naquela tarde de sábado, quando muitos cowboys e hombres iam para a cidade gastar o dinheiro de uma semana de trabalho, Philip Backffor e Manuelito só queriam tomar uma cerveja fresca no Lost Lady, um dos saloons de El Paso. Ou, talvez, um copo de mescal. Mas naquela tarde de sábado, com o calor eterno do Texas, Manuelito, um chiricahua que trabalhava no rancho do pai de Philip, só sairia daquele saloon para mijar nas calças, enquanto tentava, inutilmente, respirar.
   Roy Jackson, Tip Monroe e Frank Doony estavam sentados numa mesa ao canto. Ao ver o chiricahua entrar, Tip Monroe logo viu no apache a oportunidade de matar o tédio daquela tarde e, sem perder tempo, fez sua pergunta a Jackson. Roy era um rancheiro de El Paso e não gostava de índios. Muito menos de apaches. 
   Durante muitos anos, Roy Jackson lutou para expulsá-los de suas terras e repelir seus ataques. Perdeu bons homens nesse período. Homens de fibra, como se diz. Mas isso era passado. Agora, os índios eram só uns gatos pingados choramingando por um cobertor ou um prato de comida, confinados nas reservas do governo. Alguns achavam emprego nos ranchos, como Manuelito. Mas eram a exceção, não a regra. Na cabeça da maioria, dar emprego aos índios era loucura. Para muitos, uma afronta.
   Jackson, Monroe e Doony se entreolharam, levantaram da mesa e foram ao balcão.
   - Índios não são bem-vindos aqui, Backffor - disse Jackson. Ele tinha uma das mãos apoiada na sua Colt Dragoon.
   Philip o olhou, hesitou e então disse: - Sr. Jackson, não estamos importunando ninguém.
   - Estão, sim. - respondeu Doony - Esse focinho-vermelho cheira mal.
   Nas mesas do saloon, as conversas cessaram e as atenções se voltaram para o balcão. Philip Backffor olhou em volta em busca de apoio, mas a maioria dos homens presentes olhava hostilmente para Manuelito e os que não compartilhavam dessa hostilidade mantinham as cabeças baixas, alguns bebericando alguma coisa em  seus copos.
   - Escute. - disse Philip - Não queremos confusão. Temos tanto direito de estar aqui quanto vocês. Mas se esse é o problema... - disse Philip, olhando para o dono do saloon, De Spain, que estava atrás do balcão, sem encontrar apoio. - Se esse é o problema - repetiu. - podemos ir embora.
   - O índio não tem direito algum e não vai embora. Ele é nosso. - disse Roy Jackson.
   Com um movimento rápido, Tip Monroe segurou firme o braço de Manuelito. O apache tentou se desvencilhar, mas recebeu um direto no queixo e cambaleou no balcão. Backffor tentou sacar a pistola. Jackson estava pronto e bateu com o cano da sua Dragoon no pulso dele. Com uma coronhada violenta na cabeça, Backffor apagou.
   - De Spain, tem uma boa corda aí? - perguntou Jackson.
   De Spain o olhou por um instante.
   - Não quero tomar parte disso. - respondeu De Spain.
   - Deixe que eu pego na minha sela, Roy. - disse Doony.
   - É assim que se fala. - disse Jackson, ainda olhando para De Spain. - Botem o moleque Backffor pra fora.
   Doony botou Philip nos ombros, enquanto Monroe levava o chiricahua seguro pelo braço, com Roy Jackson logo atrás. - Quem quiser enforcar um focinho-vermelho é só vir com a gente, pessoal! - gritou Jackson.
   A maioria dos clientes se levantou e saiu para a rua principal de El Paso. Deixaram o Lost Lady Saloon para trás, assim como Philip Backffor, desmaiado na calçada. A excitação tomava conta do grupo a medida que avançavam pela rua principal. Outros iam se juntando, alguns esticando os pescoços para vêem melhor o apache. Muitas pessoas olhavam das janelas, seguindo o avanço da multidão com o olhar. Muitas mães botavam seus filhos para dentro de casa, alguns reclamando, zangados.
   - O xerife está fora, não está? - perguntou Monroe.
   - Está, mas não creio que ele seria problema.
   - Eu sei, mas nunca se sabe.
   - Onde vamos enforcá-lo, Roy? - peguntou Doony, que estava quase completando o nó.
   - No carvalho da saída leste. - respondeu Jackson.
   Chegaram ao lugar em poucos minutos. Durante todo o tempo Manuelito não disse nada. Se era para morrer, iria morrer como um apache, pensou ele. Nada de lágrimas ou palavras. Era quase impossível não se descontrolar naquela situação, mas não para ele. 
   - Tragam um cavalo. - disse Doony.
   - Pode usar o meu. - disse Jackson.
   Monroe hesitou e disse: - Dizem que dá azar.
   - Conversa. Podem trazê-lo aqui.
   O cavalo chegou e Doony começou a amarrar as mãos do apache: - Abram caminho, pessoal! - gritou Jackson. E olhando para um galho firme a não mais de cinco metros de altura: - Quem vai subir lá?
   - Eu cuido disso. - disse Monroe.
   A multidão abriu um corredor para o cavalo passar, enquanto Monroe preparava o laço da corda no galho. Deu três voltas e fez um laço firme. Assim a corda iria se retesar com o peso do índio.
   Colocaram o índio montado no cavalo de Jackson. Então Doony montou seu cavalo e ajeitou o nó no pescoço do apache. Deu meia volta, parou em frente ao índio e perguntou, em espanhol: - Se quiser dizer alguma coisa, diga agora. - O apache devolveu um olhar gelado e firme. Doony sorriu: - Muito bem, então. Como quiser.
   Doony começou a fazer a volta com o cavalo e colocá-lo ao lado do grande carvalho. O chiricahua olhava firme pra frente e não dizia nada.
   - Olha só pra cara do filho-da-puta. - alguém comentou.
   - Logo ele vai ver que essa cara feia não vai adiantar de nada.
   - Parece que quer nos desafiar.
   - Vai ter é que desafiar a gravata no pescoço dele. - Alguns riram, outros mantinham a expectativa em silêncio.
   Frank Doony desmontou e se dirigiu para trás do cavalo de Jackson. Olhou para Tip, depois para Roy. Ninguém disse nada, o que queria dizer que só dependia dele. Muito bem, então. Olhou para a multidão e  bateu nas ancas do cavalo com força.
   O apache foi para frente junto com o cavalo, depois voltou balançando para trás. Frank se desviou. O chiricahua se debatia inutilmente, a corda esticada balançando num movimento de vai-e-vem. Após alguns instantes, ao ver o apache se debatendo na corda, com o rosto arroxeado e as calças se molhando de urina, aqueles que se sentiam muito homens ao sair do sallon começaram a não se sentir mais tão homens assim. De repente, a maioria ali presente se sentiu pouco à vontade.
   - Não quero mais ver isso. - alguém disse.
   - Vamos embora.
   Em poucos instantes o chiricahua ficou imóvel, com as calçam molhadas e a urina pingando no chão. E tudo estava acabado. 
   
     
  
     
   
   
    

segunda-feira, 12 de março de 2012

Pistoleiros de Aluguel

  O Winchester de repetição de Cliff Turbin estava apontado para a nuca de um dos bandidos posicionados no fundo do Rainbow Canyon. Nunca atirei em ninguém pelas costas e não vou fazer isso de cabelos brancos, pensou ele. Desviou a mira alguns centímetros pro lado da orelha esquerda do homem, apertou o gatilho e o silêncio de mais de dez minutos foi quebrado pelo disparo do rifle. A bala passou do lado da cabeça do bandido e bateu na rocha, enquanto o eco do disparo batia nas paredes do canyon.
   - Isso foi só o aviso, canalhas! - gritou Turbin.
  Rapidamente desfeitos da surpresa, o grupo de seis homens se reposicionou atrás das rochas. Foram para o outro lado, ficando quase de frente para Turbin e protegidos dos cowboys dele, à direita. O grupo de bandidos não sabia o número exato dos homens de Turbin que estavam lá em cima com ele em condições de atirar. Mas iam descobrir logo pela simples percepção da quantidade de disparos. Era só esperar.
  Mais cedo, Turbin fora alertado por um dos seus homens do roubo de gado ocorrido no meio da tarde, ao norte do rancho. Dois homens seus foram mortos durante o roubo. Ele e mais cinco saíram nos rastros dos ladrões, enquanto o sexto fora para Alamosa avisar o xerife. Após duas horas de perseguição, foram surpreendidos no Rainbow Canyon. Posicionados no alto, à esquerda, os bandidos abriram fogo sobre Turbin e seu grupo. No meio do tiroteio, ele e mais três conseguiram subir o morro do lado direito. Steve e Red não tiveram a mesma sorte.
   - Com tiro de aviso vai ficar difícil, sr. Turbin.
  Turbin olhou para a esquerda e viu Brook, um dos seus rapazes, a dez metros dele. 
   - Se tivesse atirado pra matar, estaria mais fácil pra gente sair dessa encrenca.
  Turbin não respondeu. Não ia discutir aquele assunto. Não agora. Brook e Jass estavam em condições, mas Reuben estava com uma bala no ombro. Três homens contra seis bandidos que já tinham demonstrado ser malditamente espertos. Logo após se refugiarem ali, foram vítimas de um fogo cerrado. E depois de outro. Numa manobra simples e rápida, três homens deram cobertura aos outros três, que desceram para o fundo do canyon e deram a mesma cobertura aos outros, que se juntaram a eles. Turbin tinha se arriscado e se movido pelas rochas para pegá-los pelas costas e em fogo cruzado e via, agora, que Brook fizera metade do caminho. Mas mesmo isso não melhorava a situação.
  Agora o silêncio tinha voltado. Havia pelo menos mais duas horas de dia claro e a ajuda do xerife ainda ia demorar. Turbin sabia disso. E James Talbot, chefe do bando, também.
  Talbot olhou para a encosta arborizada às suas costas durante um tempo e depois para o alto do canyon:  - Bill, Roger. Subam essa encosta aqui atrás e peguem os malditos pelo lado. Nós cobrimos vocês.
   - Okay, Talbot. Pode começar.
  Com o fogo de cobertura, Bill e Roger chegaram facilmente até as árvores e começaram a subir. Sem pressa. Primeiro adentraram vinte metros pela mata, para depois subir em um largo giro e voltar já na mesma altura de Cliff Turbin e seus homens. Em silêncio foram se aproximando, protegidos pelas árvores. Roger estava em um ponto mais alto que Bill. Quando Bill parou, Roger espiou o terreno à sua frente, protegido por um arbusto que circundava um enorme eucalipto.
  Roger viu um terreno irregular que descia levemente de onde ele estava até uma grande rocha à sua direita, o que ele calculou uns vinte e cinco passos. No limite à esquerda ficava a descida do barranco até o fundo do canyon, com rochas menores na beirada. Ouviu alguns disparos vindos de baixo. Isso, pessoal. Façam um deles colocar o nariz pra fora. Ficou uns minutos em silêncio, observando o terreno à sua frente e, então, ele viu: numa das rochas da borda, à esquerda, uma bota era visível. Alguém sentado atrás da rocha. Roger sabia que Bill não podia ver aquela parte do terreno da posição onde estava. Fez mira com seu Winchester. Olha a perninha dele...
  Jass estava atrás da grande rocha vista por Roger e se assustou ao ouvir o tiro que partiu da sua esquerda. Reuben, à sua frente, soltou um grito de dor, recolhendo a perna direita. Sua mão esquerda apertava convulsivamente o cano da bota, o sangue começando a fluir entre os dedos. Jass começou a se deslocar ao redor da rocha, a fim de tentar localizar o atirador. Mal tinha dado três passos e foi visto por Bill, localizado mais abaixo de Roger. Mais um tiro ecoou no Rainbow Canyon e Jass caiu estatelado no chão, atingido no peito. Morto.
  Bill avançou empunhando o Winchester na altura da cintura. Avançava rápido e Roger ia lhe avisar sobre o homem com uma bala na perna quando algo atraiu sua atenção. Após a grande rocha, o terreno fazia uma curva para a esquerda e, de lá, vinha um sujeito se esgueirando por entre as rochas. Ia dar de cara com um Bill desprevenido e em terreno aberto.
   - Cuidado, Bill! -  gritou Roger, dando dois tiros rápidos na direção de Brook. Na pressa, errou e Brook desapareceu atrás de uma das pedras.
  Com o grito, Bill se agachou instintivamente, deu dois passos para a direita e pulou para trás da grande rocha. Roger soube que ia acontecer meio segundo antes de escutar dois tiros de revólver. Reuben, com uma bala na perna e outra no ombro, liquidou com Bill sem perder tempo. Boa viagem pro inferno, filho da puta.
   - Merda! - praguejou Roger.
  Brook estava refugiado atrás de uma das rochas da encosta, mas tinha visto a posição do homem que estava na mata. Deu uma olhada rápida e confirmou a posição. Esperou alguns segundos, se expôs ao lado da rocha, sempre agachado, e deu quatro tiros em direção ao eucalipto. Dois em sequência e depois outros dois. Teve a impressão de ter visto um movimento nos arbustos, mas sem a certeza de ter acertado.
  É questão de tempo que um ou mais desses bastardos se posicione lá em cima e nos pegue num fogo frontal, pensou Brook, olhando para a mata que subia a encosta e contornava todo o paredão acima dele. Esse paredão tem no máximo uns quarenta metros. Uma vez lá em cima, vai ser brincadeira pra eles fazer tiro ao alvo com a gente. Reuben que me desculpe, mas não posso ajudá-lo. Vou me juntar ao sr. Turbin.
  Os quatro disparos de Brook assustaram Roger. Hora de mudar de posição, pensou ele, olhando a encosta acima. Resolveu subir para parte de cima da encosta, exatamente como Brook tinha pensado que faria. Uma vez lá em cima, posso controlar melhor a situação e ajudar Talbot e os outros. Roger começou a subir e em quinze minutos estava numa excelente posição. Deitado de bruços ao lado de uma árvore, observou o panorama. Logo abaixo estava o homem que, tinha certeza, era o mesmo que ele havia baleado na perna. E que matara Bill. Estava sentado, encostado numa das rochas. Pela posição, tinha se movimentado alguns metros em direção ao outro homem que havia atirado contra ele. Não demorou muito para encontrar o tal e um outro posicionados mais para a direita, para além da curva. Aí está você, Turbin. Vamos acabar logo com isso. Turbin e seu cowboy trocavam tiros com Talbot e os outros.
  Roger matou Reuben com dois tiros. Recarregou seu Winchester com calma, protegido pelas árvores.
  Talbot, notando que um dos seus homens estava posicionado lá em cima, decidiu subir a encosta junto com mais um, deixando dois no fundo do canyon. Percorrer os trinta passos em campo aberto até as árvores foi fácil porque Roger estava trabalhando bem. Turbin e seus homens não atiravam contra Talbot já há uns bons minutos.
  Cliff Turbin estava acuado atrás de uma rocha, se protegendo do sujeito posicionado no alto. Brook estava perto dele, também protegido, vigiando a parte da frente. Logo começou a trocar tiros com Talbot. Turbin sabia que não tinha saída. Se viu envolto numa sensação de impotência difícil de aceitar. Observou Brook trocando tiros. Recarregando. Atirando novamente. Recarregando. Brook começou a recuar em direção a Turbin, recarregando sua Henry. Turbin viu quando uma bala acertou a cabeça de Brook e o movimento da sua cabeça pro lado foi como se ele tivesse levado um soco violento na testa. Estava sozinho agora.
  Ainda olhando para o corpo de Brook, Turbin escutava os passos e vozes vindos da mata e que se aproximavam. Ficou pronto pra matar o primeiro que aparecesse na frente do seu rifle. Alguns segundos depois sentiu uma pressão nas costas e uma ordem seca: - Largue a arma, Turbin. Não tem saída.
  Turbin jogou o Winchester no chão e levantou as mãos.
  - Caminho livre, Talbot! Eu o peguei pelas costas. - Era um dos homens que tinha ficado no fundo do canyon. Com Turbin e Brook concentrados em Talbot, ele aproveitou a situação e subiu a encosta logo atrás de Turbin.
  Segundos depois, James Talbot e o homem que subira a encosta com ele estavam frente a frente com Turbin.
  - Bom trabalho, Jonas - disse Talbot, se virando para Turbin - O truque do roubo funcionou direitinho. Vieram direto pra cá.
  - Isso eu já percebi, palhaço. Quem te pagou?
  - Alguém que quer te ver fora do caminho, Turbin. E não me pergunte mais. Não vai precisar de nomes no lugar onde você vai.
  - Vai me matar a sangue frio?
  - Não vejo outro modo de concluir o trabalho.
  - Trabalho?! Trabalho é o que as pessoas honestas fazem pra ganhar a vida. Isso é assassinato!
  - É preciso ganhar a vida, homem. E eu ganho matando pessoas.
  - Estou falando do que é justo!
  Talbot encarou Turbin por um instante. Então disse:
  - Não fui pago pra fazer justiça, Turbin. Fui pago pra te mandar pro inferno com este revólver - Talbot sacou seu colt com uma velocidade impressionante - Quer dizer algo?
  Fez-se silêncio. Vendo o revólver apontado para seu peito, Turbin criou coragem e disse:
  - Não. Mas se existe um inferno, eu v... - Foi interrompido por dois disparos de revólver. Turbin caiu de costas no chão, a mancha de sangue se espalhando na camisa.
  - Vamos - disse Talbot.
  O grupo desceu para o fundo do canyon e logo Roger se juntou a eles. Deram uma pequena volta na parte oposta a encosta onde houve o tiroteio e encontraram seus cavalos.
  - Não vamos enterrar Bill?
  - Não, Jonas. Seria perda de tempo. E depois - disse Talbot, montando seu cavalo - vamos deixar o que é justo pro xerife e seus homens.
  À uma ordem de Talbot, todos se colocaram em marcha rumo à Alamosa.